terça-feira, 28 de agosto de 2007

Obsessão

Aos 5 anos de idade matei meu primeiro gato, Lilo. Joguei-o no rio, o que me fez chorar durante alguns minutos. Desperdicei a vida curta de um bichano sem sequer vê-lo morrer. Ao decorrer da minha adolescência aprendi que peixes dentro do aquários é um desperdício maior e que chumbinho não mata só ratos. Isso me custou visitas todas às terças e quintas ao psicólogo, até aprender que para conter o alimento do meu prazer é preciso negaciar meus devaneios.
Hoje, moro sozinha, aos 24 anos, sem encontrar alguém que me compreenda.
Nessa manhã chuvosa e atípica na primavera carioca, leio o jornal displicentemente enquanto bebo o café, preparando-me para mais uma aula de direito.
Joaquim Alves da Fonseca, 68 anos, parada cardíaca, velho demais, a família já devia de esperar.
Maria Assumpção Sá Pinto, 45, atropelada por um ônibus, atropelando meu passeio,já que o corpo ficará em caixão fechado.
Perfeito! João Luís Herbath da Costa, 21 anos e uma vida inteira que poderia contar, interrompida por uma bala perdida no tórax, mais precisamente perfurando o pulmão, morreu por falta de ar, como meus peixinhos coloridos.
Nesse momento penso na cor preta, nada é mais belo que o desbotar suave do negro diante do respeitoso lugar, hoje há um verdadeiro desfile de moda nos velórios.Vela para iluminar o aniversariante, vela para acabar com a escuridão, mas vela para o morto? Talvez seja porque ela só tem finalidade quando está viva, acesa, e no final, não simboliza nada.
Sentados ao lado do corpo me deparo com o muro dos desolados, parentes íntimos mas sei que muitos ali sorriem por dentro, como se a inveja não matasse.Apenas um rápido lugar, pois sigo direta ao show-man dessa manhã nublada.Ele é belo por enquanto, trajando roupas para sair e me parece infeliz, tinha uma linda namorada, e muito ciumenta, media a intensidade conforme me aproximava do corpo, acariciava seu cabelo, lamentava em suas mãos, beijava sua testa e, entre a barreira da pele a vida, lábios quentes de um lado, vermes ferozes de outro, desejando até minha boca degustar.
Agora todas as atenções estão voltadas para mim, afinal, arquitetei esse momento, desde a escova no salão de Botafogo, o banho de rosas, maquiagem a caráter e a mais bela das roupas fúnebres.
Essa é a hora, o coração acelera, a pressão baixa, o medo da queda, o desmaio.E por alguns segundos me igualo a sua inércia, mas renasço feito uma fênix.Aos poucos abro os olhos, o branco dá lugar aos rostos coloridos de preocupação levando-me meio sem jeito, onde vários perguntam:
_ Você está bem moça?
Não falo nada, não esboço choro, muito menos um sorriso.Avanço até a porta, o último olhar ao morto e vou me embora. A entrada triunfal do célebre defunto em uma terra qualquer não faz parte dos meus planos. Afinal já batem perto das 10 horas, tenho aula na faculdade.