quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Condicional

Fim. Era o fim de nossas vidas. Do amor sobrou âmago amargo, o café da manhã espalhado pelo chão, cacos refletindo um caledoscópio da desolação. Nos braços, cicatrizes de um pulso desbotado, pedindo sua interrupção. Ver meu rosto diante de estilhaços não me ajudam a achar uma direção. Me sinto como uma jangada lançada no oceano, o diazepan flutua como a maresia e logo depois vem o silêncio após o sono, que é uma tormenta. Esse barco ainda vira, mas não antes de fazer uma coisa. Lavo-me,faço a barba,coisa impensável até pouco tempo atrás, e num curto espaço de tempo abro espaço pra dignidade.
Dois meses após a ruptura, deparo-me com o jardim descuidado, oscilo a alegria de revê-lo e o ódio pelo descaso. Escuto o som das crianças batendo portões com risadas açucaradas e provavelmente indecisas à minha reação. Lembro-me dos feijões plantados no fim de semana que tirei férias,como se acompanhar o nascimento desses grãos simbolizasse o crescimento dos meninos. Não havia grãos. O ruído que faz o caminhão ao passar pela rua me assusta, e quando olho, não há mais crianças no portão.
Desfaço meu momento de distração, ansioso por inteiro abro lentamente a porta da cozinha, aguardando o cheiro de comida caseira, quem sabe o maravilhoso feijão! Ela não me preparou nada, como se já fosse costume, ao menos preparasse para as crianças. E não há como não falar, isso me irrita profundamente.
_ Nossos filhos não são culpadas pelo seu descaso! Quanto a nós, fui seu marido, sempre fiel, amante e pai dedicado, ao menos, mereço algo além do silêncio. Não adianta nada ir embora com as crianças, se você ao menos me escutasse...
As vezes penso de que vale ter corredores tão largos se não tem som pra ecoar. Diante desse dilema sento-me na cadeira do papai e perante a falta de diálogo com Leilane cochilo. Quando acordo as portas dos quartos já estão fechadas,caíra a noite sem eu perceber. É bom que durmam cedo, por isso me faltou coragem ,coragem não, atrevimento em acordá-las ao entrar só por um beijo de "boa noite", acostumei-as assim, me condicionei a fazer também. E se ela não quer dormir comigo, deito-me no sofá, afinal se entrar no quarto serei encaminhado para o mesmo.
O raiar do sol anuncia um novo dia, aquele com ar de esperança, de uma volta. E sei que estive em falta nessas últimas semanas, tão longe do meu lar. Ao sonhar com bocejos, levanto-me rápido, afinal, a Van buscará os pequenos e Leilane irá para o trabalho bem antes que eu. Café forte e quente para ela, achocolatado e pães com muito queijo para o André, cereais e yakult para a pequenina Dani. Coloco os pratos e copos sobre a mesa, aguardando a entrada dos meus amores. Aguardo-os vendo o movimento da fumaça no bule, esperarei o tempo que for. Enquanto não chegam, me deparo com um jornal no chão com a data de dois meses atrás, noticiando mentiras, não perco meu tempo relendo isso, pura perda de tempo.
Acidente na dutra mata mãe e filhos na volta do feriadão. O Corsa prata, placa Kll-2874, Niterói, colidiou com um caminhão na altura de Paracambi. Segundo testemunhas, o caminhão forçou uma ultrapassagem perigosa, causando o acidente. Os corpos de Leilane Ribeiro Toledo, 25, André Ribeiro Toledo,5 anos e da pequena Daniela, de apenas 2, foram completamente esmagados, morrendo na hora, tamanho o impacto, impacto.