segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Everytime I see you falling

"tento a um tempo dizer,não..."

Clara era louca por filhos.Mesmo sem poder tê-los,frutos de seu ventre oco.Antes chorava longas horas em um canto qualquer,agora,os venera e os imagina numa fotografia no móvel da sala.Já perdi as vezes em que a consolei,não foi por falta de afago,carinho,amparo,seja lá o que era preciso.Mas não era eu,era ela.Não adiantava chegar cedo ou tarde,nunca era o tempo certo,nada certo até em suas definições mais confiáveis,e isso era o que concretizava a perda do tempo.
“Tomar pra si uma decisão” pensei seguido de um convite para descansar,bem longe dos prédios, do asfalto,dos playgrounds.A atmosfera de Friburgo a fez mudar, andou diferente mesmo,e não é só pelo cabelo preso deixando exposta sua nuca aprazível que não resistia.Percebo seus pelos finos na cervical um tanto macios, suavidade atmosférica que nos prende no querer.A noite chegava entre o frio e o desejo.Transar ao som de Jewel em Everytime I see you falling é consumar amor.No sábado de manhã dizia que me amava,Deus sabe o quanto precisava disso.O sol nos esquentava, o que parecia não precisar ser aquecido dentro de longas caminhadas na serra,fotos,livros,entre outros eventos a dois.Numa nova noite a lareira embaçava os vidros da sala,estavamos num clima revigorado, pelas paredes de madeira e sorrisos moldados, preparava a comida com cheiro caseiro.Clara não desgrudava do telefone.Entre as velas e vinho ele toca.Assistente social,disse que ela enfim,teria um filho adotivo.Na mesma hora Clara radiou em alegria incandescente,no seu rosto via um elo atemporal, adepto a ele fica o registro do momento singular,aquele que chega galopante,estupefato,partilhado em pedaços conforme o tempo,e não muda.Um clique.Seguidos de gritos ensurdecedores,lampejos da mãe-euforia que não se acham nos ponteiros do relógio de uma sala,mesmo que sempre iguais.A comemoração rasgou a noite no entrelaçado consumo do corpo em seus orgasmos múltiplos .Amanhecendo o dia desci as escadas nos furtivos passos para não acordá-la, em direção a porta,na calma do orvalho nas plantas,com o mesmo semblante possível a um sereno que caia desde o primeiro minuto da fenecida noite e por não suportar vê-la sofrer,resolvi ir embora.Não era eu,era ela.Antes do remorso,antes de pegar as rédeas,antes de entender,perceber a distância que tudo,em ambos,havia se tornado.Eu não a confortava,alimentava um amor,que nem sequer nasceu.Precisava pari-lo.Por tanto pensar nela,não era eu,era ela.

Invasão

"nosso amor puro,pulou o muro..."
Chacal

Essa história se passa num banheiro,entre os sons que atravessam as fendas da porta. Pelo não isolamento perfeito,os sons pela parede também. E pela curiosidade,que permite pôr o ouvido e captar cada vez mais.
Potencialmente traída quando se fala sobre vozes. Pareciam que os ouvidos foram feitos para essa música. Eles pareciam querer impressionar uma platéia,com jogo de vozes quase que em sincronia,embutidos no barulho da cama,martelava no cérebro. O barulho da cama não me fazia bem,nunca fez. Ela gritava,ecoava como fósforo em brasa preparado para incendiar um lar,mas o que incomodava era o barulho da cama. E como se a vida fizesse de propósito,uma mulher gozando de uma vida que não é dela.
Passos vem em minha direção,mas não a tempo de me espiarem,pois sutilmente corro para o closet. É de onde a escuto bem perto,não cheirava suave como rosas,e sim como mulher decidida e cantava com uma voz nasalizada numa cerimônia de confissão a uma pessoa imóvel e calada,enquanto ele tocava meu piano depois de dar umazinha (sempre fazia isso). Todos os seus pecados cantados para penetrar e dilacerar a alma. A sincronia continua. Ela sai,ele entra,jogando conversa fora ao falar com ele mesmo e mais ninguém,pensando como é arriscado a vida a três. Tolice,não viveriam muito tempo juntos, embora ela quisesse voltar,ao deixar o shampoo aberto,fios de cabelo na escova. Ela usou seu perfume,ele detesta perfume masculino em mulheres. Se soubesse,não a teria pago. Bem feito.