sábado, 13 de setembro de 2008

Espelho

"É porque eu não sou um comigo mesmo que eu posso falar com o outro..." J. Derrida

Odeio ficar só
mas não quero ninguém tão perto
Os anos passam por entre as falhas da barba
onde já me falta o ímpeto da juventude
e a perseverança dos mais velhos
Falta o abraço macio
desse amor invisível.

Primavera

Eu sei, é ferida aberta que não vai cicatrizar. Devagar e sóbrio, perambulo às margens, caminho ao meio-fio, meio sem graça, meio fim, meio nada. Isso é o que ganho, uma vida que não é suficiente, que me transborda.Tudo é meio. Sobre minha cabeça há dor-pressão aos ouvidos e um choro ameno de uma menina, uma voz que não se cala, só ecoa cacos de vidros ao interminável som indizível.

Fiquei sabendo que ela se mudou, que ainda não vai bem. Contemplo agora uma saudade maior. O carro que vem e passa, o ônibus buzina e pára ao ponto, mas logo se vai, pelo ponto o mundo passa. Todo mundo morre, mas quanto tempo falta para a falta morrer? O que a falta faz para me trazer sempre um pouco mais? Parece uma eternidade axiomática, e é assim, mesmo que fique pasmo.

Procurei seu endereço. Por um dia desfazer a paranóia de maldades sobre sons vibrantes no cérebro e enfim produzir silêncio. Era numa casa simples, com aqueles portões antigos que só fecham com correntes, em ruas de paralelepípedo e calçadas que cultivam valas negras, entre a calçada passa a solidão e, ao me encontrar pela noite, assassina e perigosa, nunca conversa comigo. Todas as minhas cores guardadas pra um sorriso mesmo que venha sem jeito, amante do amarelo.

Espera sem surpresas, mas não em vão, volto outro dia, amanhã, sempre estou pensando nele. Um dia belo se abre depois de uma noite sem sonho. E o inferno que paira sobre meus pensamentos irá se pôr, junto ao sol incandescente em um entardecer de primavera.

Volto às ruas, as mesmas de paralelepípedos e valas negras, à noite como gato negro em muro escuro, novamente para esperá-la. Ela ainda não aprumou, não apresenta esboço de sorrisos amarelos, mas acalma a visão de um semblante torpe. Quero me aproximar mas quanto mais penso mais distante fico. Quero de novo amar aos beijos no portão até o bocejo chegar. E chego perto da porta outrora já batida. Olho para campainha e coloco meu dedo em cima mas tiro em seguida, afinal, já passaram das onze. O meio-fio me acompanha até a volta.

Nada mudou além de uma nova casa, seu sorriso, da nova praça. As velhas folhas que caíam abrem espaço sob forte vento para o que há de novo. Nada mudou.