segunda-feira, 21 de abril de 2008

Nunca lhe fiz uma visita

"Envelhecer é matar o tempo e suas companhias."



Ela tinha seus 70 e poucos anos. Morava no mesmo prédio que eu. Às vezes a via sair para comprar alpiste, aveia e jiló para sua meia-dúzia de periquitos. Usava sempre vestidos, aqueles com flor por todas as partes do tecido leve, com óculos antigos de lente grossa, sapatinhos com a ponta arredondada e aparentemente confortável, bem retrô mesmo. Poderia contar nos dedos quantas vezes a vi sorri, e nessas poucas era quando via crianças perambulando pela entrada do prédio, e eu, era uma delas. Não vendia felicidade, mas não era daquelas velhas e rancorosas senhoras que reclamavam a cada festa de aniversário, a cada polícia-e-ladrão pelos corredores. Nunca a vi reclamar. E uma vez no ano, distribuía doces de Cosme e Damião, hábito de seu falecido marido, devoto dos irmãos. Talvez nessa data é que ela me retorna à mente. Primeiro, porque eu sempre recebia dois sacos, alegando que tinha um irmão que morava no sul, na certa ela não acreditava mas não titubeava, me dava sempre mais um saquinho. Mas não foi somente isso que me retornava, foi como percebi o tempo conforme seus trejeitos suas nuances. E antes que pensem que enlouqueci, que tudo que digo é tolice, explico. Por durante 1 mês inteiro, ninguém ouviu falar sobre aquela velha senhora. Suas rápidas descidas para a compra do alimento dos passarinhos, seus batidos vestidos num estilo conservador não floresciam, nem a entrada do prédio, nem o elevador. Ninguém notou quando ela morreu. Era o silêncio dos periquitos que incomodou os ouvidos,pos a velha senhora não era de falar,não sozinha.E o que ficou na minha cabeça, ela nunca recebia visitas, de ninguém. Não tinha parentes por perto, não tinha vizinhos que batiam em sua porta exceto as crianças em busca de doces. Nunca foi visitada. E desde esse tempo, sentia uma fisgada no peito, porque todos a viam tão só e não a acolhiam com sorrisos e conversa fiada? Pois naquele momento, pensei que poderia ser eu o próximo velho sozinho. Porque hoje, sou eu velho, feio e só, sem que batam à minha porta, apenas um alimentador de passarinhos. Esperando daqui, para receber minha primeira visita.