terça-feira, 28 de agosto de 2007

Livro

"livro, livrai-nos do mal..."

Tarde de verão no alto do morro. O sol consumia as nuvens e parecia me tocar com mãos quentes. A falta d'água ajuda e dá um toque infernal.
Ninguém precisa mais gritar, desço rapidamente, pulo muro, ao meio dia servem a merenda, e faço o esforço por necessidade, puro ronco de estômago. O percurso até a escola exige saltos largos nas ruas estreitas, passos longos entre todo o concreto que encurrala o caminho. Piso descalço pelo asfalto da cidade maravilhosa, na pedra dos rejeitados. Já no ponto, vejo a Vanessa tão vistosa, sorriso vívido e úmido, para olhar o dia inteiro. Pena que ela é da 7B, é muita pretensão para um garoto como eu, ilhado na 5C.
O primeiro ônibus não parou, e agora? O jeito é abaixar a cabeça e continuar correndo. Carros, casas, ruas, outdoor, cavalo, casa da vó, apartamentos,... escola. Onde estava com a cabeça? Cadê o livro? Esse ronco de fome não me deixou escutar o recado da mãe.De volta a maratona, acrescento umas gotas de suor a camisa já encharcada. As pernas latejantes do cansaço parecem responder o que há pela frente, a vista lá de cima. Mas é um livro importante, afinal, sem ele, nada sei nos exercícios de português. Corro, sigo adiante, sempre pra frente e em questão de momentos eu paro, queimação nas costas.
Bem que me falaram para não subir correndo, quem sobe assim desce rolando.Mas só caí, o destino da bala se alojou no meu. Hoje o livro ainda me faz falta, penso que até mais do que o movimento das pernas. Quero algo pra me motivar, algo pra beber e chorar, pelada com os amigos, algo pro viver. E quando me perguntam como levo a vida, só posso dizer que está, permanece, é, como verbo de ligação entre a vértebra e a bala.