quinta-feira, 2 de agosto de 2007

Atemporal

Era o dia mais quente do ano.O sol no Rio vem como castigo para quem não está na praia de Ipanema.Mas ele é assim mesmo, então não há do que reclamar.
Casa-trabalho-casa,bem vindo à minha rotina.O bom dia ao porteiro, a visita dos olhos nas pernas torneadas da nova secretária, uma mesa com papéis que valem mais do que vidas.Hoje sinto que não deveria sair de casa.Inventaria uma catástrofe, um escândalo ou simplesmente a verdade.Lara, depressiva dois meses após nosso casamento.Cansada da vida de casada, de dona de casa, de filha, mulher e principalmente das ligações noturnas.Hoje, a promessa de melhorar esse estrago pesa.Engulo a seco até o fim do expediente afinal, tenho esse emprego antes do casamento.Ligo até o dedo cansar, perto das seis vezes mas ninguém atende.Lara sempre foi dramática.Espero então o som das cinco, o único alarme que me agrada, o caminho de volta.Aborto o chope com os amigos, mesmo achando que esse fosse o dia mais quente do ano.Dou a última conferida na secretária, a boa tarde do porteiro, como se isso me fizesse melhor.Tá bom, está bem, devo uma aos amigos do setor, aquela gelada de sempre.Algumas horas depois lembro da nova desculpa pra Lara, uma colecionadora incompreensiva.
Abro a porta do apartamento,esperando o novo vaso a ser quebrado,mas só escuto o silêncio.Entro na surdina, talvez seja melhor assim ,um banho, o sono e amanhã, compro flores.Amanhã comprarei flores.A água me acalma, está tudo traçado para mais um dia.Silenciosamente entro no quarto, deito-me do lado de uma Lara quieta, com respiração imperceptível de tão silenciosa.
Droga!!!Onde foi que me cortei,não sinto dor e minha mão suja de sangue!Logo agora que deitei,Lara,acorde!Não me sinto bem!
Lara?...Era o lençol de nossas paixões,derramando o sangue de nossas vidas,seu pulso fenecido gotejava o princípio do fim.E as flores chegariam tarde de mais.
O sangue está frio, logo no dia mais quente do ano.